Escutatório, Falatório e Empoderamento

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Todo início de ano é sempre aquele falatório, “este ano será diferente...”, “prometo que vou fazer ginástica...”, “não comerei doces...”, “ vou fazer regime...” e por aí vai. Além desse falatório privado há o falatório público, dito nas entrelinhas, mesmo sem querer dizê-lo.

Como toda mortal também fiz minhas promessas de início de ano e uma delas era de que esse ano faria diferente. Diante disso, comecei a me mexer e parece que as energias do universo, coincidência ou não, conspiram a favor e deparei-me com um trecho de um texto maravilhoso de Rubem Alves, “Escutatório”. Fiquei degustando as palavras, saboreando-as e comecei a escutar minha própria voz (coisa que não fazia há tempos!). 

Meu primeiro impulso foi falar! Isso mesmo! Tinha acabado de ouvir que era para escutar e queria falar! Contive-me, continuei refletindo mas, curiosa que sou, busquei a íntegra do texto e qual não foi a minha surpresa quando o autor também falava para ouvir a sua voz, escutar o silêncio.

As ideias fervilhavam dentro da minha cabeça e então resolvi colocá-las no papel, para depois ler mais tarde e quem sabe compartilhar com alguém.

O primeiro passo, para qualquer coisa dessa vida, sempre é o mais difícil e para escrever um texto não poderia deixar de sê-lo. Mas, dado que já comecei, então vamos lá!

Os pensamentos, a reflexão que gostaria de fazer refere-se ao falatório sobre educação, as dificuldades na sala de aula, alunos indisciplinados, relaciona-se com o escutatório de Rubem Alves e mais, como esses dois fatos antagônicos e complementares relacionam-se com o empoderamento ou a ausência desse pelos professores, gestores, pais, mães, enfim, nós, adultos.

Falatório não preciso dizer o que é, parece que todo mundo já nasce sabendo, principalmente nós, as mulheres.

Escutatório, a arte de aprender a ouvir, afinal temos dois ouvidos e apenas uma boca, é brilhantemente definido no texto de Rubem Alves e por mais que eu tente, ainda estou degustando suas palavras e Rubem Alves é Rubem Alves, dispensa as palavras.

Empoderamento, o que é isso? O termo, definido por Paulo Freire, significa “dar poder” a alguém para executar uma tarefa sem precisar da permissão de outras pessoas. Será que nós, adultos, temos assumido nosso papel, tomado consciência do nosso poder, dos nossos direitos e deveres, estamos executando nossas tarefas ou estamos reféns das nossas crianças, dos nossos adolescentes, das nossas empregadas, dos nossos chefes, da nossa sociedade? Não estou propondo uma revolução, até porque isso vai totalmente contra as minhas convicções, mas estou propondo o empoderamento do papel de pai, do papel de marido, do papel de esposa, do papel de mãe e principalmente o empoderamento do papel do professor, de todo educador comprometido, célula básica da nossa sociedade.

Andei pensando muito na relação que tive com meus professores e na relação que meus filhos tem com os professores, na relação que tenho com o meu marido e na relação que tive com meus pais. A conclusão a que chego é que sempre somos apresentados a modelos e diante deles sempre pensei que tivéssemos duas alternativas, imitá-los ou refutá-los, mas em minhas reflexões, chego a mais algumas alternativas, modificá-lo e reproduzí--lo. Nessa altura, você, leitor ,deve estar se perguntando como isso relaciona-se com o falatório, o escutatório e tudo o mais dito anteriormente. Calma, chegaremos lá!

Em minha infância sempre ouvi de meus pais que os meus professores eram mestres, que sabiam do que falavam, que conheciam o assunto que lecionavam e em caso de dúvida a razão sempre era do mestre, do professor. Gostei desse modelo e reproduzi com meus filhos. Apenas modifiquei-o, acrescentei que o professor é humano, tem acertos e erros, tem sentimentos e tem uma vontade enorme de ver seus alunos crescerem, superarem o mestre e, quando isso acontece, ele realiza-se plenamente. Acrescentei também que, como humano, ao cometer falhas, devemos conversar, refletir, pensar, falar e principalmente ouvir. Acrescentei também que devemos construir vínculos afetivos. Ao professor dei-lhe o poder que lhe é cabido e confesso que o modelo funcionou novamente, não tenho problemas com meus filhos e tampouco com meus alunos. 

Já no que se refere ao relacionamento com meus pais tenho muitos modelos bons mas, particularmente tem um de que não gosto, que tento não repetir, o modelo do esvaziamento de poder que sentia de um em relação ao outro e, confesso, que muitas vezes quando queria alguma coisa e ficava aquele jogo de empurra-empurra, fazia aquela famosa jogada “pai, a mamãe já deixou, só falta você”, “mãe, o papai já deixou, só falta você”.

Diante desse modelo, refutei-o e na minha relação com meu marido, pai dos meus filhos, sempre mostro e enalteço as suas qualidades, o seu comprometimento, o seu amor incondicional. Deixamos bem claro os limites, as obrigações e deveres, os combinados. Observo que ele também faz o mesmo. Defeitos temos, sim, claro, os dois, mas isso não nos faz menos pai ou menos mãe. Problemas no nosso relacionamento temos também e isso faz parte da vida. Temos que saber diferenciar o pai/mãe do marido/esposa. Não existe ex-pai ou ex-mãe, mas existe ex-marido, ex-esposa. Eu sei que isso é complicado e quem sabe um dia também escreva sobre isso. Completando o raciocínio, tenho a dizer que nossos filhos nos reconhecem como autoridade, nos respeitam, não por temor, mas por amor, por admiração e mais, fazemos o mesmo em relação aos amigos de nossos filhos e nossa casa vive repleta de adolescentes! Por essa razão resolvi descrever um pouco esse modelo e quem sabe ele possa ser útil a alguém.

E nós, professores, será que não somos nós mesmos que estamos contribuindo para o esvaziamento do nosso poder, da nossa condição de mestre? Será que ao mandarmos um aluno para a coordenação, ao invés de ouvi-lo e resolver a situação, não estamos repetindo o modelo “se você não fizer, vou contar para o seu pai, você vai ver o que ele vai fazer”. Penso que nessa situação a mãe está tirando seu poder com as próprias mãos e depois fica aquele falatório “esse menino não me escuta, esse menino não me obedece, esse menino é indisciplinado”. Na nossa situação repetimos muitas vezes “se não fizer isso ou aquilo, não se comportar, vai para a coordenação” e o outro lado da moeda. Como reagimos? Há o pai que reconhece e dá valor a mãe e diz “se a sua mãe fez isso, é porque ela tinha suas razões, conversarei com ela para entender melhor” mas há também aquele que talvez o diga “sua mãe não sabe nada mesmo”. Que papel você, pai, mãe, professor, educador ou gestor tem escolhido? Qual modelo tem seguido? Qual modelo tem refutado? Somos mais do tipo “falatório” ou “escutatório”? Não tenho respostas e nem pretendo. Apenas consegui ouvir a minha voz interior e colocar meus pensamentos no papel.

Lúcia Helena de Oliveira Ferreira

02/fevereiro de 2011

PS: confira a íntegra do texto "Escutatório" em http://www.rubemalves.com.br/escutatorio.htm